O corpo nu de Luiza Brina sobre o chão de pedra na foto de Daniela Paoliello torna o alegórico bastante explícito: Prece (2024, Dobra Discos) é uma obra sobre conexão. Versos que reverberam como suplicas a Deus, buscam se conectar com a natureza e, principalmente, estabelecem um dialogo do indivíduo com ele próprio. “Pra viver junto é preciso poder viver só / Pra gente se encontrar“, detalha a musicista mineira em Oração 18 (Pra Viver Junto), espécie de canção-síntese do meticuloso repertório que se revela ao ouvinte.
Claro que essa autocompreensão e evidente domínio de Brina sobre a própria criação não se dá por acaso. Ainda que finalizado ao longo dos últimos meses, Prece é uma obra que vem sendo montada pela cantora, compositora, produtora e arranjadora mineira há mais de uma década. São composições que ganham contornos de orações, como rezas geradas a partir das observações da artista sobre o cenário ao redor, mas que a todo momento estabelecem um precioso componente de diálogo com qualquer indivíduo.
E isso não se aplica apenas aos versos que embalam a experiência do ouvinte, mas na forma Brina tece a fina tapeçaria instrumental que cobre toda a superfície do trabalho. Afinal, para dar vida ao repertório de Prece, a artista mineira precisou se conectar com um time de 19 instrumentistas, todas mulheres vindas de diferentes orquestras de Minas Gerais, além de desenvolver os arranjos de percussão para o chileno José Izquierdo e as manipulações eletrônicas assumidas pelo coprodutor do registro, o músico Charles Tixier.
O resultado desse processo está na entrega de um trabalho que consegue ser imenso e reducionista na mesma proporção. É como um universo à parte, gerido de forma quase transcendental por Brina, artista que eleva o que já parecia belo nos antecessores Tenho Saudade Mas Já Passou (2019) e A Toada Vem é Pelo Vento (2022). Entretanto, para além da beleza e inquestionável refinamento dado aos arranjos e vozes, Prece é um registro que convence pela explícita força das emoções e sentimentos depositados pela cantora.
Do momento em que tem início, no chamado à aventura em Oração 2 (“Vem me salvar, fazer pertencer em mim um caminho são“), delicada releitura que agora se completa pela participação da mexicana Silvana Estrada, passando pelos temas ritualísticos de Oração 15 (oração à Cobra Grande), junto do conterrâneo Maurício Tizumba, tudo parece pensado para acolher e encantar o ouvinte. É como um jogo de pequenos acréscimos que conduz o trabalho de Brina para direções antes inexploradas pela compositora mineira.
Evidentemente, nem todas as canções partilham do mesmo senso de ineditismo e impacto. É o caso de Oração 19 (Oração Para Oxum), criação que, embora caprichada, soa mais como uma sobra dos últimos trabalhos de Iara Rennó, com quem divide a composição, do que parte substancial do disco. Os próprios diálogos com a música latina, no eixo final do álbum, surgem como uma versão menos interessante do que se revela nos minutos iniciais. Instantes em que a cantora, mesmo de forma irregular, continua a se desafiar criativamente, buscando por outras formas de conexão que pouco a pouco ampliam os limites do material.
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